Lic. Intercultural - 5 - Povos Indígenas

Licenciatura Intercultural

5 - Povos Indígenas

 

5.1- Povo Karajá

Segundo Ribeiro (1979), os Karajá e os Javaé foram encontrados, primeiramente pelos bandeirantes e, mais tarde, por mineradores de ouro, traficantes e militares, os quais se estabeleceram nas nascentes do Araguaia à procura de uma saída para o oceano. A navegação pelo Araguaia, conforme esse autor, era de importância capital para aquela sociedade, que se via na contingência de transportar de São Paulo, em lombo de burro, por milhares de quilômetros de sertões desertos, o sal, as ferramentas e tudo o mais do que carecia.

Assim, havia muito interesse em escravizar os indígenas para que trabalhassem como remadores para transportar mercadorias, colaboração que os traficantes não podiam dispensar, já que somente os Karajá conheciam o rio Araguaia e constituíam a única mão-de-obra disponível na região.

A história do contato dos Karajá e dos Javaé é marcada também pelo relacionamento com diversas agências religiosas, entre elas, segundo Rocha (1998, 2001, 2003), estão a Igreja Católica (capuchinhos e dominicanos), Tribes Mission, Summer Institute of Linguistics, Missão Adventista do Sétimo Dia. Mantiveram contato com órgãos governamentais: Serviço de Proteção aos Índios, Fundação Brasil Central, Superintendência do Desenvolvimento do Centro Oeste e a Fundação Nacional do Índio, entre outros. Essas instituições são responsáveis pelos aldeamentos que separaram os Karajá em várias comunidades: Buridina, em Goiás, Santa Isabel do Morro, Fontoura, Macaúba, Mirindiba, Xambiowa e Kurehe, no Tocantins, São Domingos e Itxala, no Mato Grosso e Maranduba, no Pará.

Os Karajá, antes de se estabelecerem definitivamente no território em que vivem hoje mantiveram contatos, primeiramente hostis e depois mais cordiais, com vários povos indígenas. Viveram, segundo Nimuendajú (1942), entre os Xavante, os Xerente e os Kaiapó. Existem, entre esses povos, muitas semelhanças na cultura material: cestaria, plumária, armas e casa dos homens, proibida às mulheres, etc. Isso nos leva a crer que entre esses indígenas aconteceram muitas visitas e trocas. Entre Xerente e Karajá, segundo Nimuendajú (1942), os contatos existiram de modo pacífico. Os Karajá aprenderam com os Xerente um tipo de cestaria, que até hoje é bastante produzido pelos dois povos. Os Karajá mantiveram contato também com os Avá-Canoeiro, povo Tupi-guarani, originário da região do alto Tocantins. Isso aconteceu, quando estes indígenas se dirigiam ao rio Araguaia, procurando refúgio para se esconderem da população regional com a qual mantinham relações conflituosas.

Graças à localização das aldeias e da história de contato vivido pelos Karajá, suas comunidades apresentam uma realidade sociolingüística e cultural distinta. As que se concentram na Ilha do Bananal-TO e as vizinhas a essas vivem de modo diferente das pequenas aldeias, distantes dessa região.

As comunidades Karajá situadas nos estados do Tocantins e Mato Grosso são, de modo geral, bilíngües. Os homens Karajá, por serem mais letrados e conviverem mais com os não-índios, têm mais necessidade de falar e escrever português do que as mulheres. São eles que participam de reuniões com os não-índios, para garantir seu território e protegê-lo contra invasores. São os homens que participam da política externa, numa tentativa de ter voz nos municípios e nos estados. Mantêm relações comerciais com a sociedade envolvente, seja na venda de artesanato ou peixe, seja na compra de produtos alimentícios e vestuários etc. Participam também de assembléias com outros povos indígenas, fazem cursos para ser professores, agentes de saúde e outros. Em todas essas situações, o português é língua franca.

Já as mulheres, em sua grande maioria, vivem mais a vida da aldeia, dedicam-se a educar seus filhos, ensinando-lhes os hábitos de sua comunidade, a cultura, a religião etc. Cuidam de suas casas e de seus maridos. Nessas interações, a língua Karajá é dominante. As comunidades das aldeias Kurehe, Xambiowa, Maranduba e Buridina são, na sua maioria, bilíngües receptivas, ou seja, apenas entendem a língua Karajá, mas não a falam. Buridina, localizada em Aruanã-GO, que, na década de trinta, do século passado, segundo depoimentos de seus habitantes, “eram felizes e recebiam visitas de seus parentes de outras aldeias, que eram sempre acolhidos com festas”, realidade que foi mudando com a invasão de suas terras e de seu território. Em fevereiro de 1975, o Prefeito Municipal de Aruanã, Rolf Honrsohuch denunciou, em uma carta dirigida ao Presidente da FUNAI da época, a triste situação da comunidade de Buridina. “A Prefeitura Municipal de Aruanã, tomando conhecimento das precárias condições de vida e saúde, em que vivem os últimos sobreviventes, da empolgante e bonita aldeia dos Carajás de Aruanã, há anos que se foram, era atração turística e portanto o orgulho dos habitantes de Aruanã, resolve comunicar com urgência que: Hoje, lá não existe se não fome e doenças diversas, mas que por solidariedade humana e pela interferência da Prefeitura com os seus mínimos recursos, vem dando assistência no que é possível, mas sem resultados, porque a situação se agrava barbaramente. Os índios estão sendo totalmente contagiados pela tuberculose, doenças de pele e verminose em virtude da total desnutrição e falta de higiene em que vivem. A aldeia pela sua localização está colocando em risco a comunidade de Aruanã, localizada entre a cidade antiga e a cidade nova projetada, com mais 200mts., do Grupo Escolar e do Ginásio Municipal, com mais de 600 alunos matriculados. Solicitamos urgentes providências dêsse competente órgão, no sentido da remoção dos índios contagiados e a solução imediata com um trabalho médico, dentário e sanitário na aldeia. Na espera de uma solução imediata, ressaltamos mais uma vez a recomendação de que os índios estão em face de extinção e necessitam das urgentes providências da FUNAI [1].” Embora esse quadro de sofrimento, de discriminação, de falta de assistência por parte dos órgãos oficiais, tenha se tornado conhecido após as denúncias de 1975, apenas em 1993, sob a orientação da professora Dra Maria do Socorro Pimentel da Silva, apoiada pela Fundação Nacional do Índio, começam as primeiras discussões para a implantação de medidas para atendimento a esse povo. Desses debates surgiu o Projeto de Educação e Cultura Indígena Maurehi, implementado em 1993 com o objetivo de promover a melhoria de vida da comunidade Karajá de Buridina.

Na época da implantação do projeto, a comunidade contava com cinqüenta e oito pessoas. Atualmente, a população de Buridina é de cerca de 150 indivíduos. Esse aumento populacional deve-se ao retorno de quem vivia e trabalhava em fazendas da região ou em outras aldeias. Outras causas contribuíram para a modificação deste quadro demográfico: a melhoria da qualidade de vida propiciada pelo aprendizado na arte de confeccionar artesanato, que passou a ser vendido no mercado e na loja do Centro Cultural Maurehi; profissionalização dos Karajá artesãos e de outros que passaram a trabalhar no Projeto Maurehi, como professores, coordenadores do Centro Cultural Maurehi ou como vendedores de artesanato na loja do referido Centro. O território de Buridina encontra-se em processo de demarcação. Parte da área reivindicada já foi reintegrada ao patrimônio desses indígenas. A recuperação das terras representa, para esse povo, a possibilidade de praticar a agricultura, a pesca e de obter material para a confecção de artesanato, assim como a garantia de espaço para os novos casais junto a seus familiares. Graças ao Projeto de Educação e Cultura Indígena Maurehi, os Karajá de Buridina voltaram a relacionar-se com os parentes de outras aldeias, principalmente com os de Santa Isabel do Morro, onde vivem os ascendentes de grande parte dos moradores de Buridina. O restabelecimento do contato entre essas comunidades vem dando forças aos Karajá de Buridina para lutarem por seus direitos e sua dignidade e pelo fortalecimento de sua identidade étnica.

 

5.1.2- Educação Escolar Karajá

Além do sistema educacional apoiado pelas secretarias estaduais de educação, o povo Karajá vem desenvolvendo projetos alternativos de educação. O projeto de Educação e Cultura Indígena Maurehi7, implantado na aldeia Buridina-GO, em 1994, é uma dessas ações. O referido projeto tem por objetivo a revitalização da língua e da cultura Karajá, como também a documentação dessa língua e dos saberes Karajá e a melhoria de vida desses indígenas. Esse projeto é resultado de uma ação conjunta entre a Universidade Federal de Goiás, Fundação Nacional do Índio e Secretaria da Educação do Estado de Goiás.

A Escola Indígena Maurehi, ação do projeto mencionado acima, foi fundada com a finalidade de criar meios para incentivar os adultos a falarem o Karajá, língua que estava perdendo função entre eles; a escola também tem como objetivo ensinar essa língua às crianças, motivando seu uso na comunicação com familiares e seus companheiros de classe de idade nas horas de lazer. A leitura e a produção de textos escritos em Karajá são também aspectos importantes do projeto, que visa propiciar o acesso aos diferentes usos da língua Karajá nas modalidades oral e escrita.

Nessa perspectiva, o ensino realizado na Escola Maurehi fundamenta-se no uso formal e informal da língua Karajá, ou seja, nos discursos utilizados nos espaços especializados8 e nos espaços do cotidiano. Todas as atividades promovidas na escola, ou por ela realizadas, buscam possibilitar a reconstituição das esferas tradicionais de uso dessa língua e de produção da arte Karajá em Buridina. Fazem parte do planejamento da escola, aulas de artesanato, momentos importantes de aquisição de saber. Muitas peças de artesanato simbolizam cenas mitológicas, de rituais, ou mesmo, do cotidiano e, assim, quando as crianças estão aprendendo a confeccionar uma peça, estão também adquirindo outros conhecimentos sobre a cultura e os usos da língua materna ligados a esse fazer cultural.

A idéia é que as crianças e os jovens de Buridina possam compartilhar do saber Karajá, participando, junto com os mais velhos, da reconstrução dos espaços de produção cultural em sua aldeia.

A escola de Buridina recebe o apoio de especialistas Karajá de outras aldeias; são eles artesãos, narradores de mitos e pintores. A Escola está organizada conforme mostra o gráfico, a seguir.

EDUCAÇÃO

Revitalização

Esferas sociais especializadas Esferas sociais do cotidiano

Ijoina Lugar do homens

Kube Lugar de narrar mitos Alòkò-sen Lugar de trabalhar Centro Cultural Hirari-na Lugar das mulheres Heto casa Waxina Lugar de pescar Koworu roça Wahyna Lugar de pescar com flecha

Os gêneros dos discursos ou usos típicos da língua Karajá, produzidos nos diferentes espaços sociais, são os temas que compõem o currículo da escola. Com isso, as crianças vivem momentos de uso da língua materna, dentro e fora da escola, momentos ligados a diversos contextos de enunciação.

No ensino da língua Karajá, escrita e falada, diversos gêneros do discurso oral são contemplados. Em sala de aula, utilizam-se textos escritos por professores e especialistas Karajá, baseados em gravações de discursos formais e informais coletados em várias aldeias Karajá. Os textos permitem que as crianças e os jovens tenham acesso ao universo cultural e ao conhecimento tradicional do povo Karajá. Os temas trabalhados são relativos às espécies animais, ambiente, mitos, relatos, notícias, recados, à compra e venda de artesanato e aos acontecimentos do cotidiano, a aspectos gramaticais, morfológicos, semânticos e fonológicos.

 

A participação dos Karajá de Buridina e de outras comunidades num mesmo projeto é de importância capital na implantação de projetos alternativos de valorização da língua e da cultura maternas, bem como de outras atividades de melhoria de vida, de defesa de seus direitos com relação à saúde e à guarda do patrimônio cultural. As comunidades de Santa Isabel do Morro, Fontoura, Macaúba e Itxala, por exemplo, vem desenvolvendo projetos alternativos de envolvimento dos jovens em ações culturais e em participação de programas de valorização da língua e cultura maternas.

 

5.2- Povo Tapuio

O povoamento do sertão goiano ocorreu após a descoberta do ouro em 1725. A penetração luso- brasileira, primeiro com o extrativismo, depois com a expansão agropastoril, desenvolveu-se mediante violenta invasão dos territórios indígenas, que, no decorrer do século XVIII e seguintes, resultou no extermínio de vários povos indígenas. Durante o século XVIII, foram construídos vários aldeamentos oficiais, tais como São Francisco Xavier do Duro (Formiga), São José do Duro (Duro), São José de Mossâmedes, Nova Beira, Salinas, D. Maria I, Dom Pedro III ou Carretão, entre outros, situados desde o sul de Goiás até as margens do rio Araguaia.

Em 1788 foi construído o aldeamento D. Pedro III, ou Carretão, para acomodar os índios Xavante. Anos depois, o aldeamento, que chegou a acomodar 5.000 índios, ficou praticamente deserto, pois os Xavante, não suportando o tratamento dado a eles, fugiram pra longe do contato com os “brancos”. Um grupo rumou para os confins da Serra do Roncador, atravessando o rio das Mortes e depois o Araguaia, já no Mato Grosso; outros regressaram para seus antigos territórios, ainda em Goiás. Os que permaneceram no aldeamento foram compulsoriamente integrados aos costumes não- indígenas e compelidos a conviverem com outros grupos que foram levados para lá, tais como os Kayapó, Karajá e Xerente, além de negros escravos fugidos das fazendas de seus senhores. A decadência do aldeamento Carretão, entre outras causas, foi conseqüência dos constantes conflitos causados pela imposição de uma vida contrária aos costumes indígenas e o convívio entre grupos indígenas, muitas vezes inimigos, num só local. Foi também um reflexo do abandono de uma política de proteção ao índio, quando a terra indígena já não apresentava interesse para a Coroa portuguesa e políticos locais.

Atualmente, os remanescentes do aldeamento Carretão formam uma comunidade de 280 pessoas, residindo na Terra Indígena Carretão, demarcada pela Funai em 1987 e situada nos municípios de Nova América e Rubiataba. Não moram mais em aldeias tradicionais, mas em pequenas propriedades cercadas, dentro da área. Mantêm hoje uma identidade indígena – Tapuia – atribuída por si próprios e pelos regionais, diferenciando-se da sociedade envolvente e sendo, pois, reconhecidos como descendentes indígenas não só pela Funai, como pela sociedade local. Esses indígenas falam apenas o português, língua materna do grupo.

5.2.1- Educação Escolar dos Tapuios

A primeira escola para os Tapuios começou a funcionar em 1972, bem antes que esse povo fosse oficialmente reconhecido como indígena pela FUNAI. Em 1980, o prédio da escola foi construído pela Prefeitura do município de Rubiataba, com apenas uma sala de aula e uma cozinha, espaço insuficiente para o atendimento dos alunos de 1ª. a 4ª. séries; em 2003, a FUNAI iniciou a construção de um novo prédio, em parceria com a Diocese de Rubiataba.

A Escola Indígena Cacique José Borges foi inaugurada oficialmente em 15 de abril de 2004 e, a partir daí, foram implementadas as turmas de 5ª. e 6ª. séries do ensino fundamental para atender os estudantes indígenas que eram obrigados, não sem problemas, a procurar colégios de Valderlandia (município de Rubiataba) e Vista Alegre (município de Nova América). A professora Aparecida Tapuia, a única com formação superior, já lecionava para cerca de quinze crianças na antiga escola rural indígena, passou também a acumular, precariamente, a função de coordenadora dos quatro novos professores indígenas. Embora eles tenham curso médio, nenhum deles tem formação específica para exercer o magistério.

A demanda pelo ensino superior entre os Tapuio advém não só da recente legalização da escola indígena, mas principalmente da necessidade de ampliação do ensino fundamental entre eles. Em todas as ocasiões possíveis, os professores indígenas manifestam com muita ênfase a necessidade de se formar para desenvolver um ensino de qualidade em sua comunidade.

 

5.3 - Povo Avá-Canoeiro

Pedroso (1992, 1994) afirma que, por causa da falta de dados históricos suficientes, não é possível precisar o número exato de Avá-Canoeiro existentes no século XVIII, época das primeiras notícias sobre sua presença, quando frentes agropastoris estabeleceram-se em suas terras. Conforme a documentação histórica disponível, dos indígenas que habitaram o Estado de Goiás, os Avá-Canoeiro estavam entre os mais aguerridos e temidos, já que resistiram e reagiram à dominação colonizadora que lhes foi imposta, bem como à política indigenista do período, que tinha por objetivos a ocupação das terras dos povos indígenas e seu estabelecimento em aldeamentos oficiais. Em virtude disso, os Avá-Canoeiro estiveram sempre em constantes conflitos com o colonizador e foram designados em livros, relatórios e documentos oficiais como “ferozes”, “indomáveis”, “temíveis” e “arredios”, embora bastante inteligentes e espertos. De acordo com Pedroso (1992, 1994), esses conflitos entre os Avá-Canoeiro e os não-indígenas foram intensos e ocorreram no período de 1770 até 1860.

Segundo Pedroso (1992, 1994), os Avá-Canoeiro eram belicosos e não aceitavam ser subjugados pelo colonizador. Como estratégia de defesa, interrompiam a comunicação entre cidades e vilas e destruíam arraiais, povoados e fazendas, recusando-se a aceitar o contato pacífico e buscando permanecer autônomos e manter afastado de suas terras o não-indígena, que vinha em busca de mão-de-obra escrava indígena para o comércio açucareiro nordestino e para o trabalho nas lavouras e nas minas.

A partir da década de 1860, os Avá-Canoeiro dispersaram-se por várias partes do Estado de Goiás e foram registrados diversos ataques seus às bandeiras. No intuito de detê-los e de fomentar a navegação no Rio Araguaia, foram criados vários aldeamentos oficiais e presídios militares, que, somados às bandeiras punitivas e aos destacamentos volantes, foram responsáveis pela quase total extinção dos Avá-Canoeiro.

Por conseguinte, as relações hostis entre os Avá-Canoeiro e os não-indígenas, os freqüentes confrontos entre eles e os constantes massacres, chacinas e perseguições sofridos por esses indígenas culminaram na dispersão desse povo num vasto território do Estado de Goiás, sua fragmentação em pequenos grupos e, de modo principal, a redução violenta de sua população em nosso século.

5.3.1 - Educação Escolar dos Avá-Canoeiro

Em Goiás, os Avá-Canoeiro ainda não têm escola em sua comunidade nem mesmo uma proposta de projeto político-pedagógico. No ano de 2001, teve início o Projeto Avá-Canoeiro, “Uma proposta de educação: vitalização da língua e cultura”, coordenado pela profª Dra Silvia Braggio, da UFG (cf. Braggio, 2000). O principal objetivo desse projeto era a vitalização da língua e da cultura Avá- Canoeiro na Terra desses indígenas, em Goiás. A primeira etapa desse projeto foi realizada pela UFG/Museu Antropológico, com o apoio da FUNAI e de Furnas Centrais Elétricas S.A. Por questões administrativas e financeiras o projeto não teve continuidade.

O trabalho de educação indígena entre os Avá-Canoeiro deve ser promovido levando em consideração o contexto histórico vivido por esse povo e a situação atual deles, um povo que corre risco de ser extinto. Vivem em Goiás apenas seis indígenas, dois deles jovens. Além desses, existem 12 no Estado do Tocantins, vizinhos dos Javaé.

Estudos etnográficos e lingüísticos em andamento demonstram a dificuldade do reduzido grupo na reprodução de práticas culturais tradicionais e no uso da língua materna pelos jovens. Apesar dessa situação, alguns rituais são preservados, como o uso de cantos, maracá e tabaco. Esses estudos servem de base para a construção da proposta acima, de educação como contribuição para a vitalização cultural dos Avá-Canoeiro.

A sobrevivência física e cultural dos Avá-Canoeiro repousa, pois, sobre uma delicada situação. É indispensável, portanto, a compreensão de sua visão de mundo na implantação e desenvolvimento da educação escolar. Essa consideração, destaque-se, é importante não apenas pelo seu valor intrínseco, mas também pela possibilidade de valorização do mundo Avá-Canoeiro.

5.4 – Povos Timbiras

Timbira é o nome que designa um conjunto de grupos étnicos: Apaniekhrá (Canelas), Apinayé, Krahô, Krenyê, Krikatí (Gaviões), Kokuiregatejê (Kukoikamekhrá), Parkateyê (Gaviões), Pykobyê (Gaviões), Ramkokamekhrá (Canelas). Os Krahô e os Apinajé vivem no Estado do Tocantins, os demais no Estado do Maranhão. Esses povos ocupavam, tradicionalmente, uma grande extensão de terra situada nos cerrados do norte do antigo Goiás, hoje Tocantins, e sul do Maranhão, regiões que foram sendo gradativamente ocupadas pelos não-indígenas. Atualmente, os territórios ocupados pelos Timbira são descontínuos, formando pequenas ilhas de terra que variam de 50 a 300 mil hectares cercadas ou invadidas por pequenas fazendas de criação de gado. Esses territórios estão localizados numa região onde os conflitos pela posse da terra são violentos. Para os Timbiras essa situação tem significado apenas a retaliação de seu território, agravada pela passagem de circuitos de linhas de alta tensão da Eletronorte, de rodovias estaduais, municipais e federais, como a Transamazônica, que atravessa o território Apinajé.

Os diferentes grupos, Krahô, Apinajé, Apãniekra, Ramkokamekra, Pykobjê, Krikatí, falam uma só língua, a Timbira, que pertence à família Jê, com algumas diferenças dialetais entre si, mas que os indígenas identificam como línguas diferentes. A Apinajé é mais diferente, embora os demais Timbiras não pareçam ter dificuldade em entendê-la. Também são os Apinajé os que mais divergem quanto à cultura. Como os únicos que ficam a oeste do Tocantins, são chamados de Timbiras Ocidentais, em contraposição aos demais, os Timbiras Orientais. Em qualquer dos povos Timbiras da atualidade, os homens, além da língua de suas línguas maternas, falam fluentemente o português; as mulheres, mesmo quando não o falam, entendem-no.

5.4.1 - Situação da Educação Escolar Timbira

Entre os Timbiras, o ensino do português escrito foi iniciado, de forma genérica, no século passado. Há registro, de que Frei Rafael de Taggia em 1841, em sua Missão, na confluência dos rios Tocantins e do Sono, já mantinha entre os Krahô, uma escola. Desde essa época foram várias as tentativas para que os Timbira utilizassem a palavra escrita como forma de comunicação. Com o SPI, que tinha como prioridade fundamental uma política de integração do índio à civilização, as atividades educativas, as experiências com a implantação de escolas foram assistemáticas e infrutíferas. Com a FUNAI, os Krahô e Apinajé, tiveram, de 1987 a 1981, por meio da Sexta Superintendência Regional, sediada em Goiânia, acesso a cursos de capacitação de docentes, que foram continuados pela Secretaria de Educação do Estado do Tocantins por meio de um convênio entre a FUNAI, a UFG e o governo do Tocantins. Do convênio decorreu a elaboração de um projeto de educação indígena para o Tocantins, cujo objetivo principal era capacitar os professores indígenas. Hoje esse trabalho está sob a coordenação só da referida secretaria. Os Timbira, de maneira geral, apesar de todos os esforços e da existência de alguns poucos tecnicamente alfabetizados, continuam sendo funcionalmente analfabetos. Funcionalmente analfabetos porque a leitura não se tornou ainda uma experiência significativa, no sentido de uma ação reflexiva, que leve a um enriquecimento de experiência de vida. Com exceção de algumas experiências isoladas o trabalho na área de educação tem sido pouco conduzido pela preocupação em pensar o papel da escola e da alfabetização frente às especificidades do cotidiano e da cultura do grupo, e aos seus interesses e expectativas. A organização da escola e o acompanhamento pedagógico têm considerado muito pouco em sua prática os aspectos da organização sócio-econômica dos Timbira, como, por exemplo, a profusão de seus rituais.

Atualmente, a situação das escolas nas aldeias Timbira é bastante diversificada: há escolas acompanhadas pelas secretarias estaduais de educação, outras que recebem o apoio dos municípios e da FUNAI e as escolas ou ações experimentais apoiadas pelo CTI.

5. 5 – Povo Xerente

O povo Xerente que se estabeleceu no território tocantinense é caracterizado por uma história de luta e permanência em suas terras. São terras historicamente ocupadas pelos seus ancestrais e que também têm um significado sagrado por causa de existência de cemitérios e de outros pontos sagrados.

Na década de 30 do século passado, época em que Nimuendajú visitou os Xerente, havia 7 aldeias em toda a área ocupada por esse povo. Esse número de aldeias varia muito pouco ao longo dos anos: em 1945 eram 6, em 1965, 7 e em 1987, 9. Atualmente, a situação se mostra completamente diferente porque nos últimos anos ocorreu uma proliferação enorme de aldeias que passaram de 9 para exatamente 34. Muitos jovens têm migrado para as cidades em busca de uma nova vida. Outros têm atitudes deferentes daqueles e se dispõem a assumir a responsabilidade de manter vivas as tradições culturais do seu povo.

Esse povo, segundo Guimarães (2002), é bilíngüe. De acordo com a estudiosa, trata-se de um uso lingüístico em que as duas línguas envolvidas têm funções e valores diferentes para esses falantes, e, a partir dessas referências adotam estratégias específicas ligadas a esses interesses. Assim, os Xerente têm interesses afetivos, existenciais, culturais, étnicos, ligados à manutenção de sua língua. A língua portuguesa é mais usada com os não-índios.

5.5.1 - Situação Escolar

Segundo Guimarães (2002), o ensino escolar, entre os Xerente, inicia-se por meio da Junta de Missões Nacionais, de confissão evangélica, cujos missionários chegaram no território Xerente em 1950. Esses missionários descrevem e analisam a língua Xerente e fazem uma proposta de cartilha de alfabetização. Em 1983 propõem um Curso de Formação de Monitores Bilíngües, em convênio com a FUNAI, dentro dos objetivos do ensino bilíngüe de transição. A partir de 1987, a Sexta Superintendência Regional/FUNAI e ADR Gurupi/FUNAI colocam em prática uma política de capacitação de docentes, da qual fez parte os Xerente, os Krahô, os Apinajé, os Javaé e os Xerente.

Em 1991 foi assinado um convênio tripartite entre a FUNAI, a UFG e o governo do Tocantins. Do convênio decorreu a elaboração de um projeto de educação indígena para o Tocantins, cujo objetivo principal era capacitar os professores indígenas. Em 2005 formou a primeira turma de professores Xerente.

5.6 –Povo Guajajara

Os Guajajara são também conhecidos por Tentehar. São também Tentehar os Tembé, que se situam no Estado do Pará. O povo Guajajara é um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil. Sua população é calculada em torno de 17 mil índios, de acordo com dados da FUNAI. Estão localizados nos municípios maranhenses de Amarante, Arame, Bom Jesus da Selva, Buriticupu, Santa Luzia, Grajaú, Barra do Corda, Itaipava do Grajaú, Jenipapo dos Vieiras, Bom Jardim, Montes Altos e Sítio Novo. A área total das suas terras é de cerca de 1.084.000 hectares, todas situadas no Maranhão. Sua história de mais de 380 anos de contato foi marcada tanto por aproximações com os não-índios como por revoltas e grandes tragédias. A revolta de 1901 contra os missionários capuchinhos teve como resposta a última "guerra contra os índios" na história do Brasil.

A língua dos Guajajara pertence à família Tupí-Guarani, uma língua próxima a dos Avá-Canoeiro e dos Tembé, que lhes são muito semelhantes. Os Guajajara chamam sua língua de ze'egete ("a fala boa"). Ela é subdividida pelos lingüistas em quatro dialetos que são mutuamente inteligíveis, sem maiores complicações. Nas aldeias, o Tentehar é falado como primeira língua, enquanto o português tem a função de língua de contato com os não-índios. As aldeias situadas no município de Santa Inês-MA apresentam uma situação sociolingüística diferente das demais. São, em sua maioria, bilíngües receptivos, ou seja, os mais jovens usam mais o português e entendem o Guajajara. Já os mais velhos falam Tentehar e português.

 

5.6.1- Situação Escolar

A situação escolar dos Tentehar é bem semelhante ao que acontece em todo Brasil. São herdeiros de uma política educacional integracionista, que vem sendo aos poucos rompida pelos professores indígenas. Esses profissionais ao participarem do Curso de Magistério Indígena, sob a coordenação da Secretaria de Educação do Estado do Maranhão, com participação da FUNAI e outras instituições, tiveram e têm oportunidade de refletir sobre suas escolas e as práticas pedagógicas nelas desenvolvidas. Muitos professores ainda não são formados em magistério indígena. Não existe professor Tentehar com curso superior e muito menos participando de licenciatura de educação escolar indígena. São 5.119 alunos matriculados em 121 escolas indígenas e aparecem como o segundo maior grupo étnico no Censo do MEC. Esses indígenas, quando conseguem prosseguir seus estudos, saem de suas comunidades e vão estudar em escolas de cidades no Maranhão ou no Estado do Piauí, enfrentando todos os tipos de problema.

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